Apoio ao Trabalhador - A Voz do Operário

04-04-2012 14:13

 

"Mulheres trabalhadoras ainda são alvo de discriminação

 

 

Jornal - Entrevista

A realidade laboral portuguesa alterou-se com a entrada das mulheres no mundo do trabalho. Uma realidade reconhecida com os direitos alcançados com a Revolução de Abril, mas que hoje estão, muitas vezes, postos em causa. A discriminação existe fruto das políticas dos sucessivos governos. Esse é o entendimento de Odete Filipe, responsável pelo Departamento para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP- Intersindical Nacional. Mudar mentalidades e comportamentos não se faz, afirma, “com medidas pontuais”.

 

Como se explica a desigualdade salarial entre homens e mulheres?

 

A explicação é histórica e tem muito a ver com o antes do 25 de Abril e o estatuto que então era atribuído às mulheres. Um estatuto de menoridade, em que as mulheres eram consideradas diferentes. A própria legislação antes do 25 de Abril, há trinta e poucos anos atrás, dizia que as mulheres ganhavam menos do que os homens, o chefe de família era o homem. Ou seja, perante a lei mulheres e homens eram desiguais e a elas eram negadas as mesmas oportunidades e o mesmo tratamento. É com o 25 de Abril que se dá uma evolução grande, para além de que há um outro aspecto de relevo que foi a guerra colonial. Os homens jovens eram chamados para a guerra e automaticamente foi necessária a entrada massiva das mulheres no mundo do trabalho. O 25 de Abril e a entrada das mulheres no mundo do trabalho conduziram a um desenvolvimento das questões da igualdade. A própria Constituição da República refere que as pessoas são diferentes biologicamente, mas iguais perante a vida e a lei. Costumo dizer que o 25 de Abril para a maioria das mulheres foi a tampa que se destapou, despertando-lhes a consciência de que não trabalhavam só para complementar o salário do marido, mas que deveriam ter os mesmos direitos em relação ao trabalho. Se faziam a mesma coisa deveriam ganhar igual remuneração. Portanto, a explicação e a razão da desigualdade é histórica e prende-se com a existência de uma sociedade em que as mulheres eram tratadas de forma diferente da dos homens.

 

A igualdade entre homens e mulheres é tema que só surge com o 25 de Abril ou há já uma luta anterior?

 

A igualdade de tratamento só foi efectivamente possível com o 25 de Abril, até por aquilo que disse da legislação tratar de forma desigual homens e mulheres. Naturalmente que o movimento sindical e as forças progressistas são pela igualdade e isso foi essencial para o que se alcançou com o 25 de Abril. A própria contratação colectiva conseguida em 1975, 1976, 1977, enquadrada na Constituição, imprimiu uma dinâmica de direitos iguais nos locais de trabalho.

 

Mas hoje, mais de trinta anos passados, há estudos, mesmo da CGTP-Intersindical, que apontam por exemplo, para o facto de, em média, os homens ganharem mais do que as mulheres.

 

Hoje podemos dizer que o problema da igualdade salarial não é tanto a questão de trabalho igual salário igual. O problema actual é o da discriminação indirecta. Ainda existe, de facto, discriminação directa, isto é, fazer a mesma coisa e receber de forma diferente, mas a maior discriminação não é essa. Quais os sectores que são mais mal pagos? Aqueles em que predomina a mão-de-obra feminina como os têxteis, calçado, vestuário, cortiça e conservas e também o da restauração, bebidas e comércio. A questão que aqui se coloca é a do valor do trabalho. Só se pode comparar o que é igual. Não posso comparar uma costureira a um costureiro porque estes não existem, mas posso comparar a costureira com o mecânico que arranja a máquina e neste caso questionar: porque é que a costureira que dá a mais-valia à empresa ganha um salário mínimo e o mecânico – geralmente um homem – ganha mais 200 euros que ela. O que hoje tem de ser equacionado é o valor do que se faz em cada posto de trabalho, independentemente de se ser homem ou mulher. O que se verifica hoje é que as profissões que são exercidas por mulheres são mais mal pagas. Entramos num supermercado, as mulheres trabalham na peixaria, os homens no talho, elas ganham muito menos que eles. Pergunta-se então: as condições de trabalho do talho são diferentes das da peixaria? Só o facto de predominarem as mulheres é factor para a desigualdade salarial.

 

Essa também é uma forma de discriminação.

 

Sem dúvida e muito mais profunda, o que exije uma vertente diferente de análise. Não é por caso que dizemos que os sectores onde predominam as mulheres são os mais mal pagos. Mas hás outras formas de discriminação. Veja-se o caso da administração pública onde os salários são iguais mas coloca-se a questão de quem ascende na carreira.

 

Como é que se acaba com a discriminação? Com outra política?

 

Dou o exemplo do projecto desenvolvido pela CGTP no âmbito da iniciativa comunitária EQUAL que levou o director-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT) à casa dos Pastéis de Belém, uma das empresas em que se desenvolveu o projecto da não discriminação salarial. Há por parte da CGTP, enquanto estrutura sindical, o objectivo da igualdade e por parte da associação patronal o da qualificação, criou-se então um método, a partir da convenção 100 da OIT – aprovada há 50 anos - que estabelece que a trabalho igual deve corresponder salário igual. Esta metodologia é única a nível mundial porque analisa o posto de trabalho e não o trabalhador ou a trabalhadora. O estudo teve inclusive uma conclusão interessante em relação às copeiras, tradicionalmente mulheres, que estão no fundo da tabela salarial. Se a copeira não lavar a loiça e preparar tudo o resto, não se podem tirar cafés, nem servir à mesa. Aliás, o próprio responsável pelos Pastéis de Belém confessava que se não tivesse copeira teria de fechar a casa. Isto significa que se a análise recair sobre o posto de trabalho será possível adoptar uma metodologia sem enviezamento de género. Não se olha para o sexo do trabalhador, mas para o posto de trabalho. Hoje, há uma metodologia, testada no sector da restauração e bebidas e se houver vontade política dos empregadores e capacidade sindical para trabalhar em conjunto é passível de ser aplicada noutros sectores de actividade.

 

As estatísticas mostram que o desemprego é maior entre as mulheres que entre os homens. Também é resultado da discriminação?

 

Neste momento, as coisas podem estar a inverter-se, embora as mulheres sejam ainda a maioria dos desempregados. O sector de que sou oriunda, o da metalúrgia e metalomecânica, está sofrer um ataque feroz no que respeita ao fecho de empresas, porém, os sectores mais atacados foram aqueles em que predomina a mão-de-obra feminina como os têxteis, o calçado, o vestuário. É isso que justifica que as mulheres sejam a maioria dos desempregados.

 

A maternidade continua a dificultar a vida às mulheres trabalhadoras?

 

É engraçado que se o pai também utilizar os seus direitos, pelas informações que temos, também tem dificuldades. Porém, a maioria dos casos diz de facto respeito às mulheres porque, e mais uma vez, tradicionalmente são elas que arcam com todas as questões relacionadas com a maternidade, algumas até porque não podem deixar de ser como a amamentação. Um exmplo são os prémios de assiduidade e produtividade em que as mulheres são muito mais prejudicadas que os homens. No que toca à maternidade e paternidade, ainda hoje, 80 ou 90 por cento do tempo gasto com elas é assumido pelas mulheres. Se entrarmos na situação específica biológica da mulher – aleitação, consultas pré-natais – e se há um prémio na empresa para homens e mulhes, estas são sempre prejudicadas, ilegalmente é certo, mas acontece. Também aqui, como não há uma partilha efectiva da maternidade e paternidade, as mulheres acabam discriminadas. Aliás, actualmente verificam-se muitos retrocessos em termos de cumprimento da legislação – o tempo gasto com a aleitação, as consultas pré-natais, a licença de maternidade é contado, de acordo com a lei, como tempo efectivo de trabalho, mas a maioria das empresas não cumpre com este requisito legal – e sempre que isso acontece as primeiras a serem penalizadas são as que sempre estiveram em piores condições.

 

As mulheres conseguiram uma importante conquista que foi a entrada no mercado de trabalho aliada a factores históricos específicos. Tendo em conta a sua realidade biológica, nomeadamente a maternidade – uma função socialmente importante -, deveriam gozar de direitos especiais?

 

As mulheres não têm direitos especiais. A única diferença de tratamento que as mulheres têm em relação aos homens prende-se com a sua função biológica da maternidade. E esses direitos “especiais” nem são para a mulher, são para a crianças. Se uma trabalhadora não estiver grávida não goza de qualquer direito diferente dos trabalhadores do sexo masculino. Por outro lado, aqueles direitos cessam quando a criança nasce, a partir daí quer o pai quer a mãe estão em pé de igualdade no que respeita a direitos “especiais”. As mulheres têm direito à igualdade e esse direito não é cumprido. Portanto, não se pode falar de direitos especiais.

 

A sociedade está preparada para responder à realidade do trabalho feminino?

 

A sociedade é governada por alguém e as políticas que têm sido seguidas ao longo dos anos estão mal. Temos uma Constituição da República que se fosse cumprida não estaríamos na situação em que estamos.

 

Em matéria de igualdades entre géneros, o que falta?

 

É importante que seja falada logo na escola. A escola é fundamental, tal como a família e a própria sociedade. O que se assiste é que na família se mantém o papel tradicionalmente atribuído às mulheres e nisso terá de ser a escola a fazer por alterar os comportamentos, caso contrário torna-se muito complicado. Depois a sociedade tem de ter capacidade de resposta. Não existem infraestruturas sociais de apoio e isto penaliza sobretudo as mulheres. A sociedade não está preparada para que as mulheres trabalhem e trabalhem de forma tranquila. Tudo isto obrigava a que as políticas fossem revistas no sentido da igualdade. Também em matéria de apoio social se registou um grande retrocesso. Após o 25 de Abril foram muitas as empresas que isntalaram creches como forma de apoio à maternidade e paternidade. Depois fecharam-nas, mas mantiveram um subsídio. Agora, nem creche, nem subsídio. Nos sectores em que as mulheres predominam o salário médio é pouco superior ao salário mínimo nacional e o que se verifica é que o Estado não investe em creches, preferindo deixar esse serviço essencial para os privados. Como se pode pagar uma creche quando se ganha pouco mais que o salário mínimo nacional e se tem, por exemplo, dois filhos pequenos?

 

O Governo tem feito propaganda de algumas medidas nessa área.

 

Embrulhando tudo. Engloba nas questões da igualdade o tratamento de tudo, ou seja, a igualdade entre géneros, a igualdade da deficiência, etária, etc. O mundo é composto por homens e mulheres e se haver uma diluição das questões da igualdade entre homens e mulheres nas outras é recusar que esta é que é estratégica. Se olharmos para uma mulher deficiente e a oportunidade que tem no posto de trabalho concluímos que é pior quando comparada com a de um homem deficiente. Esta ideia de embrulhar tudo e de tomar medidas pontuais tem invalidade que as questões de fundo sejam tratadas.

 

Não há no nosso País uma verdadeira igualdade de oportunidades entre homens e mulheres?

 

Não. Não há. Basta ver que, em geral, as mulheres continuam a ter as profissões mais mal pagas. Se queremos cumprir com a igualdade temos que romper com a tradição. Não há igualdade de oportunidades, nem há incentivo a alterar os conceitos retrógados em relação às mulheres. A alteração de comportamentos e mentalidades faz-se se houver medidas nesse sentido. E estas têm faltado nas políticas dos sucessivos governos.

 

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